A
biblioteca era velha. Velha, como a velha: a velha bibliotecária que ali
administrava. Pública, talvez tudo por esse motivo. Pública: e com pouco ou
quase nulo público. Quando as escolas mandavam suas crianças para a famosa
visita à biblioteca pública, a velha surtava. Os ranhentos não respeitavam nem
a velha, nem os livros, velhos. Livros velhos e mal cuidados. Não tinham ordem
nenhuma, nem os livros, nem a velha. Os livros amontoados em pirâmides
habilidosas temiam qualquer movimento. Os meninos adaptavam a brincadeira do pega-varetas
para a do pega-livros. A velha só corria de braços abertos pela biblioteca
equilibrando um livro aqui e outro ali, conforme iam despencando. E quando uma
pirâmide implodia, a biblioteca tremia com o grito da velha. A poeira surrava o
rosto dos meninos que fugiam enquanto a velha os perseguia a passos de gigante.
“Seus porcos imundos, saiam daqui agoraaaaa”, gritava a velha com voz
demoníaca. Um dos alunos, Nelson seu nome, sempre dava um jeito de se esconder
no meio da bagunça clandestina. A velha, sentava e soluçava entre um suspiro e
outro, entre a lágrima e o pó que sobrava para limpar. Nelson, na pontinha do pé, bisbilhotava e
observava tudo, em busca do livro perfeito. Quando achou que tinha encontrado,
petrificou com a visão que teve. Em meio há tantos livros, um buraco. No
buraco, um olho. Um olho humano. Sentiu os sentidos não sentirem mais,
amoleceram-se as pernas e, branco, fora ao chão, preto. Acordou, minutos
depois, com o olho da velha em cima do seu. Nelson levantou num susto horrendo,
e correu dali como pôde. Perto da porta, parou e olhou para trás. Viu a velha.
Na mão da velha, um livro. Na capa do livro, a foto de um olho. De um olho
humano.
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