quarta-feira, 23 de março de 2011

Hamlet e Bartleby


(O fantasma sai da cena, desaparece fundindo-se com a neblina e o ambiente fica ainda mais sombrio. A neblina toma conta do topo do castelo, apenas o canto da coruja e o som do assobio do vento são possíveis de se escutar).

- HAMLET (ajoelhado no chão, com as mãos na cabeça implora aos seus amigos): Saiam todos daqui! Deixem-me só! (Ninguém responde).

- HAMLET: Agora ficaram mudos repentinamente? Ordeno que saiam!

- BARTLEBY: Prefiro não sair!

- HAMLET (ergue-se assustado e vira-se em direção a voz): Quem é você? Outro fantasma proveniente do submundo na tentativa frustrada de revelar-me questões da humanidade tola e livre de princípios?

- BARTLEBY: Prefiro não dizer!

- HAMLET (impaciente, aproxima-se do homem desconhecido): Ah, prefere não dizer! Imagine só. Alguém aqui prefere não dizer-me algo? Seja lá de onde você for, de onde você veio, fantasma peregrino, ordeno que saia daqui. Preciso pensar e caso o senhor prefira não sair daqui, seria bom o senhor ir pensando em me dizer de onde veio, para onde vai, o que ou quem você é!

- BARTLEBY: Prefiro não pensar!

- HAMLET: Meu caro, eu também preferiria não pensar em mais nada, não viver o que todos vivem, não ter o livre-arbítrio para sucumbir destinos. Preferiria não ser o que sou e não precisar mais sentir o que o corpo e a alma sentem. Preferiria ser um louco a optar pelo pensamento mais sombrio e justo que me ocorre no momento... (Tudo fica em silêncio por alguns minutos).

- BARTLEBY: Prefira também, então, não pensar.

- HAMLET: Preferiria, se pudesse... Caso eu prefira, eu sou. Caso não prefira, não mais sou.

- BARTLEBY: Prefira não preferir então.

- HAMLET: Isso eu não posso. Ou uma coisa ou outra. E a primeira opção, meu caro, já está preferida.

- BARTLEBY: Neste caso, prefira o que lhe convém.

- HAMLET: Você ouviu o que me foi revelado?

(o vento sopra ainda mais forte)

- BARTLEBY: Preferiria não ter ouvido.

(a coruja canta mais uma vez)

- HAMLET: Neste caso, você ouviu o que eu ouvi.

- BARTLEBY: Prefiro não dizer.

- HAMLET: Neste caso, prefiro também não mais conversar com o senhor.

(o fantasma reaparece diante da neblina)

- Fantasma: Meus caros, preferiria também não ser este ser e não sentir a dor que me avassala. Mas de que me adianta preferir algo que já havia me sido pré-destinado?

(o fantasma some novamente na neblina)

- HAMLET: Preferiria não tê-lo visto novamente e muito menos ouvir o que ouvi.

(Hamlet ajoelha-se no chão e fixa a neblina).

- HAMLET: Oh Destino repugnante que de forma injusta nos leva o que é de direito! Oh sofrimento incurável que golpeia o coração quando o mesmo ainda bate! Preferiria ser como você meu senhor, que não prefere nada, prefere não sair, prefere não pensar, prefere não dizer. Eu que deveria não preferir algo como as suas preferências. Preferiria que meu honroso rei estivesse aqui comigo, vivo, para preferir comigo a justiça plena (grita Hamlet clamando piedade).

- BARTLEBY: Prefiro continuar preferindo as minhas preferências.

- HAMLET: Deste modo, prefira o que quiser. Seja livre para preferir, meu caro, afinal todos são livres neste mundo obscuro, obsceno e desigual. Enquanto isso eu serei livre para as minhas preferências também.

(ouve-se a música vindo do jantar nos andares abaixo)

- HAMLET (Hamlet aponta para o buraco que os permite ver a festa lá de cima): Prefira ser como eles. Prefira viver o gozo da luxúria, dos contentamentos descontentes, da vida na morte, da ação e da reação, da causa e do efeito. Vamos, junte-se aos mortais e quero ver se continuará negligenciando os prazeres preferidos do homem. Vamos, veja e seja como eles.

- BARTLEBY: Prefiro não ver, prefiro não ser.

- HAMLET: Ótimo. Você prefere não ser! Já eu decidi o contrário.

(Hamlet afasta-se de Bartleby e desce rumo aos seus aposentos. Bartlebly continua imóvel na mesma posição desde o início da cena).

- BARTLEBY (fala consigo, num único murmúrio): Ser ou não ser. Eis a questão.

(o vento sopra mais forte, a coruja canta, a neblina cobre Bartleby o qual desaparece repentinamente).


(Texto criado em 2010 (2o semestre) para a disciplina de "Texto poético e dramático" onde criei um diálogo entre HAMLET, de Shakespeare e o personagem BARTLEBY, O ESCRITURÁRIO - Uma história de Wall Street, de Herman Melville.

Um comentário: