quarta-feira, 23 de março de 2011

Monólogo interior


Mordeu os lábios mais uma vez. O gosto do vermelho já tinha sido engolido outras vezes. Centenas, talvez. Já perdera a conta de quantas vezes o ritual fora dolorosamente praticado. Muda na essência, nua na existência. Por que tudo precisava terminar assim? Por que o desejo constante de felicidade absoluta sempre fora interrompido? Talvez porque sempre desejava o que não tinha e quando tinha o que desejava, se entediava, se frustrava, se feria e passava a desejar outra coisa. É inevitável dizer que nunca fora feliz. Ou, que nunca fora feliz com o que teve, ou com aquilo que tinha, com aquilo que era. Mas, era tarde para pensar nisso tudo outra vez. Olhou para baixo e o movimento que se passara tonteou-lhe os sentidos. Afinal, não havia mais sentido para quem sempre teve uma vida preto e branco. Pensou em Pascal quando dizia que “Todo homem quer ser feliz, inclusive o que vai se enforcar”. Maldito Pascal, pensou. - Eu não vou me enforcar, só estou pensando em pular! Olhou mais uma vez para baixo... pensou... pensou... Os pés iam se afastando... A idéia da morte lhe estremeceu, como nas outras vezes. Nesse momento, concentrada, decide, mais uma vez, não decidir. O silêncio nesse momento é corrompido quando uma voz a assusta: - Ei! É Você? – O que você está... estava olhando? Murmura a voz. Tarde demais. No julgamento dele, ela deu fim à própria vida.
(Texto publicado no livro de contos do Sesc)

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